terça-feira, 5 de agosto de 2008

As cores no escuro


Marcelo Valle

Em frente à televisão, na tela, uma novela.
Uma mulher chorava e eu pensava:
por alguns minutos as pessoas deixam de viver suas vidas para viverem aquela vida representada.
Na frente da tela ninguém fala.
Tudo que importa não tem importância.
Só a tela...
no edifício,
na casa,
na favela.
Parabólicas novas, velhas antenas, antigos sistemas...
Que dificuldade tenho em associar palavras aos pensamentos, é mais ou menos como dar forma aos sentimentos.
A tela é colorida.
As cores têm formas, os sentimentos têm cores...
verde,
azul,
vermelho,
amarelo...
Cores são conceitos que justificam preconceitos.
A cor não é uma ilusão, se assim fosse, tudo o mais seria e somente haveria a forma vazia.
As cores preenchem as infinitas formas.
As cores são verdadeiras e perenes até que se apaguem as luzes.
Cores não são conceitos.
As ilusões são verdadeiras e perenes até que se acendam as luzes.
As cores descansam no escuro...

domingo, 6 de janeiro de 2008

DE VOLTA PRA CASA...

FALAR DE DEUS INCOMODA...

verdade?
ALDOUS HUXLEY

“A verdade é subjetiva”

Existem muitas espécies de Deuses, como existem muitas espécies de homens. Pois que os homens fazem os Deuses à própria imagem. Falar de religião de outra maneira que não em termos de psicologia humana é uma irrelevância.

Deus nasceu no deserto, pois no deserto não havia no que se pensar, senão em Deus.
Um único Deus reflexo da aridez, da falta de diversidade. Coube aos judeus zelar pela chama do monoteísmo e transmiti-lo à humanidade através dos primeiros cristãos. Mas nem sequer o mesmo homem cultua coerentemente um só Deus. E o Deus único, agora cristão, se fez em três.

A própria ortodoxia cristã assumiu um compromisso com o politeísmo. Seu Deus único era misteriosamente vários deuses. E estimulou o culto de uma deidade feminina subalterna. Inúmeros santos receberam tributo de veneração, usurpando o lugar outrora ocupado por lares e penates, e com suas relíquias proporcionaram uma fonte inesgotável de fetiches. Em quantidade o panteão católico podia rivalizar com qualquer dos panteões gentílicos que a história registra. Não porém em qualidade. Essa era inferior. Pois aos santos faltava variedade; eram todos monotonamente “bons”. Apesar de serem multidões só representavam um aspecto da vida humana - o espiritual. Os gregos e todos os sistemas confessadamente politeístas eram muito mais completos, muito mais realísticos. Seus panteões alinhavam representantes de todas as atividades vitais - representantes do corpo e do instinto, do espírito e das energias passionais, da razão e das tendências tanto egoísticas como altruísticas da natureza humana. Sem dúvida, os cristãos reconhecia a existência desses outros aspectos não espirituais do ser humano, mas davam a entender de que não passavam de personificação do Diabo e seus anjos.

O Império Romano unificou o mundo ocidental e o catolicismo tomou emprestado o Deus único dos judeus e a variedade e pensamento dos gregos. O cristianismo paradoxalmente propagou o monoteísmo e preservou o politeísmo.

Sob o ponto de vista político, um dos grandes méritos do cristianismo é que persuade os descontentes a procurar a causas de seus males, não no sistema social circundante, não nos crimes de seus governantes, mas na própria natureza pecaminosa e na ordem divina do universo.

Se o mundo se apresenta a mim tanto como uma unidade como uma diversidade, é porque eu próprio sou um e sou muitos.

Satânicos e Visionários

CINE PULGUEIRO

Uma pequena história sobre cinema.. ou um possível roteiro...
Cine Pulgueiro, bom pra cachorro!
Marcelo Valle( Magoo)

Pelo pêlo segue a pulga, ignorando as rugas de uma testa franzida e suada. Os olhos em festa, já quase vencidos, semicerrados se esforçam na escuridão para acompanhar o movimento na tela. No ar, o som das gargalhadas se mistura ao cheiro de couro das poltronas doces. Pipocas e perfumes baratos. As cadeiras duras, machucadas, recheadas de palha ainda acomodam muita gente. A casa está cheia como não se via há tempos. Até as primeiras fileiras foram tomadas. O mofo lentamente se espalha pela parede. O filme é velho como todos os outros que por ali passaram, estrangeiro também, o que de fato não importa. Sobra espaço para reinventar os discursos. Alguns, mais metidos, ruminam as palavras de fora. Grupos de meninos, sempre em grupos, comentam o beijo estampado. Meninas encabuladas, rapazes excitados, moças alvoroçadas. Os velhos recordam e as senhoras...Ah...as senhoras! Essas não estão assim tão cheias de pudores, querem mais é sonhar com o novo galã, agora velho. Lá fora a missa acabou e ninguém imagina que a cidade esteve em polvorosa, às beiras de uma revolução. A sessão era de graça, mas todo mundo fez questão de pagar. A revolução?!...Bem... foi por causa do cinema.
Chegou alguém na cidade, não se sabe quando, nem de onde. Dizia falar em nome de Deus, todos logo desconfiaram. Afinal, se Deus criou o mundo, é bem capaz de falar por si só. Além do mais, já estavam acostumados com o padre. Pastor ali, só de cabras. Muito dinheiro ele tinha para arrebatar o que bem pudesse. Não o que quisesse, e assim foi. O cinema continuou cinema. Em nome de Deus foi embora, mas voltou tempos depois. Trouxe consigo, o Diabo. Ele mesmo, o fancho, pé de bode, arrenegado. Entrou o rabudo no cinema espalhando enxofre pra todo lado, achando, coitado, que com o cheiro forte espantaria a freguesia. De nada adiantou. Tentou de novo trazendo as pulgas. Eram tantas, que cobriam as cadeiras. Mas aquele povo tinha sangue de sobra, sabe-se lá quanto. E muitos cachorros na cidade havia. Logo as pulgas encontraram os cachorros. Mas o Diabo não desistia, começou então, a tramar a demolição. Logo, logo descobriu-se a intenção. E a cidade virou um inferno. O Dito Cujo tentou tentar a todos. Madalena, Rita, Sebastião, José, Bárbara, Benedito, Jorge, Conceição, Gabriel, Luzia, Cosme, Maria, Cristóvão e Damião, Eulália, Genoveva e Teresa...todo mundo ali tinha nome de santo, mas de fato ninguém era, nem por isso o Diabo teve vez. Foi escorraçado, coitado, o Cão com o rabo entre as pernas! De vermelho ficou branco, coberto de penas, até parecia um anjo. No dia seguinte o cinema, com muito orgulho, foi rebatizado de Pulgueiro. Algumas pulgas ali, definitivamente se alojaram, pulgas que gostam de filmes. A sessão estava cheia. E lá no fundo, com a testa franzida e suada, Deus assistia a tudo e ria...

FAROL

FAROL
FARÓIS

AO VENTO PEDI SILÊNCIO,
PEDI PARA QUE PARASSE DE SOPRAR MEUS OSSOS,
ARRANCANDO DELES FRIOS ASSOVIOS.
AO SOL, UM DESAFIO:
AQUECER A CARCAÇA QUE ME COBRE!

MEUS PÉS SENTEM A TERRA ÚMIDA,
AO LONGE VEJO OLHOS QUE BRILHAM
ILUMINANDO AS TREVAS QUE NOS CERCAM

UM CÃO BEBE A ÁGUA MARROM DE UMA POÇA
MARROM, COR DE SEU PELO
CÃO E ÁGUA SE MISTURAM
BEBO...

DIFUSA LUZ
CORES CINZENTAS
LUZ QUE NÃO ENTENDO
IMPRIME PAISAGENS
NO FUNDO DOS MEUS OLHOS

DOU UM GIGANTESCO PASSO
QUASE NÃO ME AFASTO
DO LUGAR EM QUE SEMPRE ESTIVE

HÁ FLORES NO CAMINHO, ÁRVORES TAMBÉM
MERGULHO NA TERRA
MASTIGO SUAS RAÍZES
GOSTO ESTRANHO EM MINHA BOCA
VOLTO À SUPERFÍCIE

BEM ALTO, UM GAVIÃO CRUZA O AR
VÔO LINEAR
ATRÁS DE UM ASSUSTADO POMBO
RESPIRO FUNDO
MINHAS NARINAS SE ABREM
ASPIRO O POMBO E O GAVIÃO

LEVANTO OS PÉS DO CHÃO
OBSERVO UMA ESTÁTUA QUE OBSERVA AS NUVENS
UMA ÁRVORE COM RAÍZES MASTIGADAS ABRAÇA A LUA

NO ESCURO, CHOCO-ME COM UM MURO
QUE NADA MAIS É DO QUE UMA RÍGIDA MONTANHA
SUA BASE SE EXPANDE COBRINDO O HORIZONTE
SEU TOPO TOCA A MAIS BAIXA ESTRELA

BRILHO INTENSO NOS OLHOS DISTANTES
COMO FARÓIS ILUMINANDO
NAVIOS PERDIDOS NO MAR REVOLTO
MAR DE ÁGUA SALGADA FEITO LÁGRIMAS

ULTRAPASSO O MURO
ME APROXIMO CADA VEZ MAIS DOS FARÓIS
REVOLTO CORAÇÃO ONDE OS NAVIOS SE PERDIAM
SEUS OLHOS ME OFERECEM
O ÚNICO CAMINHO

PALAVRAS AO VENTO

PALAVRAS AO VENTO
Palavras ao vento

Pueril provento das palavras ao vento
Prurido falido no móvel órgão carnudo
Da cabeça desce um vil pensamento
Manifestação verbal do absurdo!

Um pedantismo medíocre a todos envolve
Sinal da pobreza de quem não é pobre
Despenha a alma pequena no grande vazio
Onde todos são iguais e não há desafio.


Incapazes pronunciar novas frases, pobres humanos:
Repetem os passos no invariável caminho
O eco ressoa entoando os enganos
Palavras ao vento movimentam o moinho.

A eclosão de uma idéia é coisa mal vista
Drástico fim de um nascimento
Rastros ou pegadas na pista

Um Homem com um celular